quarta-feira, 1 de abril de 2015

Espuma de Sexta - 2.

A Maria Madalena é uma hipertensa estranha. Herdada da minha orientadora, o controlo tensional coincidiu sempre marginalmente com a entrada dos fármacos. Nos últimos anos percebi um pouco melhor a vida desta mulher. Tem uma filha de vinte e seis. O primeiro marido não seria um prodígio de amizade. Depois apareceu alguém que tomou conta dela e de quem ela – não todos os dias – ia tomando conta. Esta Maria Madalena usa mais vezes a palavra “amante” do que ela aparece na poesia de Eugénio de Andrade. Um cérebro enfraquecido por enfartes e epilepsias, uma arcada dentária inenarrável de encavalitada, as poucas frases que solta são reforçadas por um par de olhos verdes de primeira água. A Maria Madalena é agora viúva do único homem que a quis e que nunca foi seu marido. A palavra “amante” – que eu agora respeito mais, foi-me por ela explicada. A filha, em todas as consultas elogiada, trabalha na Zara de Viana e visita-a, às vezes, pelas festas.

Há apelidos que como nomes artísticos deviam estar proibidos. A sra. D. Emília Iglesias (ora façam a extrapolação) é uma rapariga algo mais velha do que eu. Terá tido qualquer coisa isquémica transitória para vir parar às minhas mãos. Lutou anos e anos contra uma alopecia, fazendo a alegria de variadíssimos Dermatologistas do Grande Porto. Desistiu deles sob minha supervisão e, com tempo, admitiu que uma boa peruca era a melhor solução. Os Dermatologistas choraram. Coincidindo com um estudo renal descobriu-se e operou-se o mais inocente dos tumores do pâncreas. A filha oferece-me dedicadamente livros de que não gosto e a D. Emília faz-me elogios que eu não mereço. Vai ser operada a um joelho. Como em Camilo Castelo Branco, beijamo-nos mutuamente as mãos, bom, não é bem assim mas quase.

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